quinta-feira, dezembro 28, 2006

57- NATAL COM NEVE !!!

No Brasil a neve é caso raro, raríssimo, digno de sair no noticiário nacional da televisão. Então, quando fui aos EUA como intercambista, esperava ter a chance de ver neve, muita neve. Mas a deliciosa Salisbury, pequena e agradável cidadezinha onde morei não tinha neve com frequência. Nevava, sim, todo inverno, mas apenas em alguns dias e em pequeno volume.

Assim, quando o inverno chegou, comecei a acompanhar o noticiário meteorológico pra ver se anunciavam alguma nevasca... nada! Os dias se passavam, o fim do ano foi chegando, as temperaturas cada vez mais congelantes (para os meus padrões, pelo menos), mas nada de neve. Até que chegou o Natal.

Na noite de Natal fomos à igreja, para uma bela e tocante cerimônia com muita música natalina, e depois tivemos um deliciosa ceia. Lá pelas dez horas da noite, alguém entra em casa, vem me dizer que estão caindo alguns flocos de neve !!! Saí pra varanda e me assombrei com o espetáculo que davam os pequeninos flocos brancos caindo na noite. Foi legal demais!!! E melhorou, pois a neve caiu mais forte e, em pouco tempo cobria o chão o suficiente para sairmos com os “sledges” – pequenós trenós – com os quais descíamos a rua em ladeira onde morava uma amiga. Foi uma noite inesquecível por mais de um motivo. Eu finalmente sabia o que significava “White Christmas”.

quinta-feira, dezembro 21, 2006

56- SORVETE MAIOR QUE A FOME

Poucas eram as nossas chances, morando no interior de SP e com filhos pequenos, de freqüentarmos teatro e cinema. Mas os filhos cresceram, e tentávamos aproveitar as chances que apareciam.

Assim, quando familiares de SP avisaram que estavam programando ir ao teatro, pedimos que nos incluíssem também.

Tivemos de sair cedo para S. Paulo, o teatro ficava próximo ao centro e o trânsito exigiria paciência e tempo. Além disso, não permitiam atrasos. Por garantia, saímos cedo.

Chegamos a tempo de estacionar, achar o pessoal, cumprimentar todos, saber as últimas novidades e logo fomos para nossos lugares.

A peça foi realmente muito, muito boa e terminou perto das 10 h da noite. Eu e Elaine estávamos famintos. Na família, todos haviam jantado e a proposta de tomar um sorvete e um café venceu.

Fomos para uma famosa sorveteria e o menu destacava o fato de prepararem “a maior taça de sorvete da cidade”. Elaine e eu nos olhamos, a fome bateu forte e pedimos essa taça (uma só para os dois!), enquanto todos pediam sorvetes simples.

A taça chegou, e não a achamos grande coisa - oito bolas, oito coberturas, farofa e canudinho crocante - parecia o que precisávamos para matar a fome.

Com o tempo, percebemos que o sorvete era muito maior do que imaginávamos. Todos acabaram suas taças, tomaram café e batiam papo esperando por nós... e haja sorvete!

Já no fim, a taça se tornara intragável. O sorvete derretera, misturando-se com as coberturas, fazendo um melado dulcíssimo, de arrepiar.

Desistimos e um dedo deste melado ainda ficou no fundo da taça. Saímos estufados e enjoados, de volta pra casa.

quarta-feira, dezembro 13, 2006

55- FORDINHO BOM DE SONO

Aos cinco, seis, anos de idade, meus avós paternos moravam “no outro lado da cidade”, um percurso de mais hora em nosso “Fordinho 33”. Para lá íamos freqüentemente, aos domingos, depois da igreja, almoçar com os avós e passar a tarde. Eu gostava da casa dos meus avós. Ficava num bairro tranqüilo e bem urbanizado da São Paulo dos anos 50. Meus primos apareciam também por lá e tínhamos chance de brincar pra valer.

Mas no caminho para lá, o balanço do calhambeque, seu barulho contínuo, o calor do meio dia e a falta do que fazer me “sonavam” e eu acabava dormindo profundamente.

Meus pais sabiam que eu acordaria logo, com fome, e por isso deixavam-me dormir só, no carro, quando chegávamos, enquanto o almoço era preparado.

Então eu acordava. Ao longe, vez por outra o som de um carro que vinha e ia quebrava o tranqüilo silêncio do bairro. Havia também o canto de pássaros nas árvores que faziam sombra no carro. E havia paz. Uma paz que me penetra a pele até hoje, ao recordar aqueles dias.

Creio que nunca senti uma solidão tão tranqüila e pacífica como naqueles domingos de sono dentro do “fordinho” do meu pai.

quarta-feira, dezembro 06, 2006

54- FESTA PARA CRIANÇA

O “Dia da Criança” é, depois do Natal e do aniversário, a data mais esperada e querida pelas crianças. E nós, da recém criada SEMEAR – Secretaria Municipal da Criança e do Adolescente de Sorocaba (1993) – queríamos tornar aquele dia inesquecível para as crianças da cidade.

O chefe (Secretário da SEMEAR) pensou numa festa pra muita gente, com muitas atrações, entrada gratuita, um evento pra ficar na história da cidade. Convenceu o prefeito a fazer um grande evento, com financiamento privado, e mobilizou toda a equipe em torno deste objetivo (in)comum.

Trabalhamos pra caramba, fomos de empresário em empresário, com o chapéu na mão, arrecadando fundos para a festa, enquanto outros procuravam os grandes nomes do “show biz”, convidando-os para participar, sem cobrar, da nossa festa. Durante muitos anos guardei o “relatório financeiro” deste “caixa 2” do bem, com medo de ser acusado de alguma ação desonesta.

Ao final, conseguimos ninguém menos que os Trapalhões e a dupla infantil (na época) “Sandy e Jr.” para se apresentarem “na faixa”, além de pára-quedistas e outras atrações.

No dia, trabalhamos das 5 horas da manhã até o final da noite. Algo como 20 mil pessoas lotaram o estádio municipal para ver aqueles astros. Foi uma canseira!

Quando tudo acabou, estávamos felizes e exaustos com o que havíamos conseguido; prometemos uns aos outros nunca mais entrar numa “fria” como essa, mas... No ano seguinte, lá estávamos, desta vez com o apoio da Rede Globo, fazendo uma “Festa para Criança” diferente, mas igualmente excitante e exaustiva.

terça-feira, novembro 28, 2006

53- GUIADO POR OUTDOORS

Aos 12 anos, uma das minhas atividades preferidas era como escoteiro, nas tardes de sábado. Para chegar ao local das reuniões, tomava o ônibus. Assim também para ir à ACM (YMCA), duas vezes por semana, para jogar bola e nadar. Pegava o ônibus no bairro e ia ao centro da cidade. São Paulo não era pequena e eu era, o que a tornava maior. Era fácil se perder na cidade. Poucas esquinas tinham o nome das ruas em placas e as poucas existentes não ficavam exatamente à vista.

Por isso, fui obrigado a arranjar um meio de localizar-me na cidade, sob o risco de passar o ponto e acabar me perdendo. Sempre fui atraído pelos cartazes de propaganda e percebi que, mais do que distração, eles poderiam ser meu guia na cidade. Assim, quando andava pela cidade, a pé ou de ônibus, guiava-me pelos grandes painéis de propaganda para ir na direção certa, e nas placas menores, de indicação de lojas e comércio para achar a rua ou a esquina certa. Até hoje tenho a tendência a me referir a estes quando menciono algum local.

terça-feira, novembro 21, 2006

52- PRAGA DE PULGAS !!!

Morávamos numa boa casa, com chão de tacos de madeira, em Sorocaba. As crianças eram pequenas, tínhamos um gato e um coelho, que, acreditem, eram amigos! Tenho uma foto do gato dormindo ao lado do coelho, com sua pata abraçando-o. Verdade!

Pois bem, um dia voltamos ao entardecer de uma viagem de alguns dias e ao entrarmos na sala da casa, algo extraordinário aconteceu. O chão se movia!!!! Sim, uma leve sombra ondulava-se suavemente com nossos passos. Ao acender a luz da sala, qual não foi nossa surpresa e horror ao perceber que o chão estava repleto de pulgas saltitantes, querendo subir nos nossos pés e pernas. Tivemos que trepar no sofá para fugir delas.

Depois, aplicamos por toda a casa, dias seguidos, uma fina camada de um inseticida em pó, que era (e será que ainda é?) vendido em uma latinha redonda, para nos livrarmos de todas as pulgas. O interessante é que tanto o gato como o coelho não estavam infestados como seria de se esperar. A casa fechada por uns dias havia se transformado em estufa onde os insetos haviam se multiplicado sem sair dali.

Ainda arrepio quando lembro da cena!

terça-feira, novembro 14, 2006

51- CINDY SE DESPEDE !!!

Tinha acabado de chegar aos Estados Unidos pela primeira vez. Aos 18 anos, tudo era não só novidade, como incrivelmente excitante e um pouco amedrontador também.

A família hospedeira me levou para a praia, por uns dias, aproveitando o verão e “quebrar o gêlo”. Tudo estava bem.

Com meu “irmão” e um amigo dele, fizemos amizade na praia com algumas garotas. Ser estrangeiro facilitou o nosso contato com elas, pois ficaram interessadas em saber por quê, onde, como, o quê era o “Brazil”.

Cindy, uma delas, era muito alegre, animada, simpática. Gostavam de música e meu irmão americano tocava violão, o que permitia nos reunirmos na praia à noite para cantar e bater-papo. Quando estávamos à procura delas, costumávamos sair gritando em coro: “Ciiiiindyyyy!!!”, por pura diversão.

Chegou o dia de ir embora. Fomos à procura das garotas pra nos despedir. Trocamos endereços e números de telefone, promessas de escrever, ligar e nos encontrar em futuro próximo. Abraços, beijinhos; na hora de despedir-me da Cindy, ela me “tascou” um beijo na boca! Surpreso e agradecido, olhei pra ela, enquanto me dizia: “This is to remember Cindy! Ainda me lembro...

terça-feira, novembro 07, 2006

50 - MEU PÉ DE LARANJA LIMA

Fui um adolescente devorador de livros. Lia praticamente tudo que caía às minhas mãos, principalmente ficção – Francisco Marins, Conan Doyle, Azimov, Burroughs, Monteiro Lobato, Bradbury, etc – povoavam minha imaginação com aventuras impressionantes.

Uma das minhas atividades mais saborosas era passar pela Livraria Cultura, no edifício Copan da Av. Paulista e ler livros entre as prateleiras da loja, especialmente Asterix (que por ser “quadrinhos” lia rapidamente) e os “best sellers”, caros demais pra meu bolso e ainda não disponíveis na biblioteca onde minha mãe trabalhava, e de onde saiam os livros que lia.

José Mauro de Vasconcelos já era um sucesso editorial quando li seu primeiro “hit”. Não estava muito empolgado, pois me parecia ser uma literatura “água com açúcar”, mas confesso que estava curioso pra saber porque tal livro tinha tanto sucesso.

Lembro-me de ter entrado, uma tarde, no quarto de meus pais e visto o livro sobre a cômoda - algo comum, já que minha mãe era bibliotecária. Freqüentemente, ela trazia livros pra casa para conferir sua catalogação.

Com a intenção de só dar uma olhadinha, pra ver como era o estilo do autor, abri o livro e sentei-me à beira da cama. Passaram–se algumas horas e percebi que havia lido todo o livro, sofregamente, e que a emoção tomava conta de mim. Nossa, pensei, pode até não ser “alta literatura”, mas entendo a razão do autor ter tanto sucesso!

Li depois, outro livro do autor, mas o impacto não aconteceu. O sucesso também. Seja qual for o segredo, era desconhecido do próprio José Mauro.

Mas ler um livro numa “sentada” só, sem mesmo perceber, foi uma experiência incrível.

terça-feira, outubro 31, 2006

49- INVASÃO !!!

Logo que me foi possível, adquiri um telefone celular. Era um tijolão que mal permitia a conversa, caro e com uma pesada bateria que não durava nada, obrigando o uso de bateria de reserva. Mas achei que devia me incluir na nova tecnologia, como tinha feito com o micro-computador. Assim, fui me acostumando a ter o aparelho ao ponto de, atualmente possuir, em nome da minha empresa, um para cada membro da família.

Um dia, recebi uma chamada. Ao atender, a pessoa se identificou como “André, do depto de atendimento ao cliente da Vivo” e começou com uma conversa mole que me levou a desconfiar que ele não fosse quem dizia ser. Acusei-o de ser um falso funcionário, ameacei denunciá-lo e desliguei. Ao olhar a chamada recebida para identificar o número, vi que não era possível, pois no meu visor aparecia “número restrito”. Liguei para a Vivo, comunicando o fato e fui informado que a empresa não usa “número restrito” para falar com os clientes. Ah, então, o “André” era falso mesmo!

Algum tempo depois o mesmo “André” me liga novamente. Alerta por ver que a chamada era de “número restrito”, acusei o fulano de criminoso, disse que ia denunciá-lo para a Vivo, xinguei-o um monte e desliguei. Falei em seguida com a Vivo, denunciando a tentativa criminosa.

Passaram-se alguns minutos e recebi, no telefone fixo, uma chamada de uma paciente da Elaine (ela é médica), dizendo que não conseguia ligar pra ela. Tentei também, e não consegui. Liguei logo para a Vivo e fui avisado que alguém da minha empresa havia ligado para eles, um tal de “André” e havia solicitado o bloqueio de todas as linhas, em razão de roubo!!! Só consegui desbloquear as linhas depois de duas horas conversando com os atendentes da Vivo. O safado havia se vingado do fato de não ter me enganado, fazendo-se passar por funcionário da empresa, fornecendo todos os dados solicitados pela Vivo, e fazendo o bloqueio das linhas.

Poucas vezes me senti tão injuriado. E, ao mesmo tempo tão impotente, pois simplesmente não podia fazer nada, a não ser lamentar. Pra desabafo, escrevi um longo e-mail explicando o acontecido e enviei para os amigos e para os jornais. Quase desisti de ter celular... “Haja !!!”

segunda-feira, outubro 23, 2006

48- ATAQUE (QUASE) FATAL!!!

Aproveitando o post do Paulo Brabo (www.baciadasalmas.com) "Invasores de Pórticos", passo-lhes minha experiência com as "assassinas". Divirtam-se.

É muito gostoso morar numa chácara. É tranqüilo, ecológico, saudável. Mas também tem seus perigos.

Aconteceu com meu cão “boxer”, o Aquiles. Cachorro carinhoso, afável, brincalhão, grande companheiro. Entretanto, por ser muito fuçador e escapar do quintal da casa, ele ficava no canil a maior parte do tempo.

Um dia, estava em casa só, quando ouvi ganidos de dor e raiva vindo do canil. Resolvi ver o que estava acontecendo, e ao sair fui surpreendido pelo barulho e movimento de vôo de milhares de abelhas. Refugiei-me de volta em casa, e percebi, pela janela, que o cão tava sendo atacado por algumas abelhas, contra as quais lutava ferozmente. Enrolei-me num cobertor e saí novamente. Ele já estava desesperado e ficou mais ainda quando cheguei perto. Soltei-o, pensando em cobri-lo com o cobertor, mas ele disparou para o gramado no lado oposto do canil, onde, felizmente, não havia abelhas. Esfregava-se na grama, gemendo. Levei-o pra dentro da casa, examinei-o e percebi que o número de picadas era enorme. Precisava levá-lo ao veterinário ou o Aquiles poderia morrer.

O problema era que as abelhas não pareciam querer ir embora, e meu carro estava próximo do canil, bem onde elas se concentravam. Enrolei o cão num cobertor, peguei-o no colo, enrolei-me em outro, tomei coragem e fui para o carro. Consegui entrar rapidamente, deixando-o no chão do lado do passageiro; matei uma ou duas abelhas que entraram com a gente. Fui “à toda” pro veterinário, com o Aquiles meio largado e babando muito. Ele recebeu medicação e se recuperou logo.

Ao voltarmos pra chácara, não havia mais abelhas, a não ser as mortas no chão do canil e da garagem.

Foi um susto muito grande, eu pensei que fosse perder meu cachorro, jovem ainda, com apenas um ano de idade. Agora, com 10 anos, ele ainda mora no canil. Nunca mais foi “visitado” por abelhas. Talvez nem se lembre mais delas. Eu, não.

terça-feira, outubro 17, 2006

47- ESSA É PRA HOME!!!

Estive em Recife e lembrei-me de um episódio que se passou com um colega pernambucano:


Trabalhando como geólogo em Guapiara, interior de SP, viajava toda semana de São Paulo para lá. Comigo ia esse colega.

Sempre que parávamos para almoçar, fosse onde fosse, ele perguntava por “uma pimentinha”. Quando traziam o tradicional vidrinho com molho avermelhado ele insistia: “não tem pra macho, não?”. Pra ele pimenta tinha que ser bem forte.

Durante a semana, almoçávamos na casa do nosso encarregado, que ficava próxima à jazida. Comidinha caseira, simples e deliciosa. O agrião era recolhido na hora, em um riacho que passava atrás da casa!

Pois bem, meu colega sempre pedindo uma pimentinha “prá macho” e nosso capataz tentando encontrar alguma que o satisfizesse, sem muito sucesso. Um dia, já sentados para comer, ele chega todo ressabiado e diz: “O senhor veja se esta lhe agrada”. Numa pequena garrafa, pequenas pimentas verdes estavam imersas em líquido transparente amarelado. Meu amigo abriu-o e percebeu que a pimenta era curtida na cachaça. Cuidadosamente, colocou duas gotas do líquido à beira do prato e misturou uma boa porção do arroz com feijão e farinha. Deu uma garfada, mastigou lentamente, com todos o observando e depois de alguns segundos disse em voz baixa e rouca: “esta é prá macho!”. Nunca mais reclamou. E diariamente, no almoço, pingava uma gotinha da pimenta à beira do prato. .

quarta-feira, outubro 11, 2006

46- MEMÓRIA SABOROSA

O programa era simples: cada um levaria uma pizza para assar na hora. A intenção era singela: fazer uma reunião divertida e saborosa a baixo custo. A razão era louvável: reunir um grupo de colegas para um bate-papo descontraído fora do ambiente de trabalho.

Entre fatias de pizza de atum, presunto, calabresa, muçarela, etc, aparece um casal, de origem finlandesa, com uma pizza que além de tomate e queijo, tinha finas fatias de um cogumelo raro e muito caro, trazido da Finlândia.

Como o grupo era grande, cada pizza era cortada em fatias pequenas. Sendo um grupo grande, havia grande quantidade de pizza para todos. Exceto essa única pizza de cogumelo finlandês. Cada um teve direito a esse único pequeno pedaço, só para provar.

Dei uma pequena mordida na minha fatia, por temor do sabor desconhecido. À medida que mastigava, percebi que saboreava algo nunca experimentado antes – divino. Comecei a mastigar mais devagar, tentando não engolir tudo rapidamente como sempre fiz. Minha preocupação passou a ser o tamanho minúsculo da fatia que eu recebera. Será que todos iam perceber que estavam diante de um monumento ao sabor? Sobraria algum pedaço que eu pudesse surrupiar da mesa e assim prolongar aquele momento?

Pensei: Meu Deus! Algum dia vou me esquecer desse sabor! Preciso gravá-lo na memória! Ah, se fosse visível, fotografava-o! Hum, que delícia! Quanto tempo esse sabor ficará na minha boca depois que a pizza acabar? É bom demais pra terminar tão cedo! Também, que gringo muquirana, fazer só uma pizza deste cogumelo! Será que algum dia terei oportunidade de comê-lo novamente? Huuumm! Mas é bom demais! E tão pouco!!!

Hoje, anos depois, tenho vívido na memória aquele momento mágico, de puro prazer divino de saborear algo tão delicioso. Mas não me perguntem qual era o sabor. Esqueci...

quarta-feira, outubro 04, 2006

45- POLÍTICA 5

Na Geo-USP, no início da década de 70, o clima era de contida revolta pela morte do colega “Minhoca” (o Alexandre Vanuchi). O centro acadêmico (CA), vigiado de perto, fazia o que podia pra manter o ativismo político aceso, sem levantar repressões, tanto das autoridades acadêmicas quanto militares. O marxismo era o pensamento dominante na Geo, e uma forma de ação era a divulgação de literatura de esquerda, principalmente em espanhol - Marx, Lenin, Trotsky, Castro, Bakunin, Furtado, Freire, etc. Essa divulgação se dava em “feiras culturais”, em meio a muito samba e cachaça.

Decidido a não me omitir, pedi para também expor alguns livros que falavam de política, das injustiças sociais, do mundo contemporâneo a partir de uma perspectiva diferente, pois não era socialista marxista, nem adesista burguesa. Era “cristã combativa” (inventei o termo agora!) – Lewis, Padilla, Escobar, Schaeffer, Bonhoeffer, Ellul, Stott, Yoder, Guiness, Gutierrez.

A primeira reação da diretoria do centro acadêmico foi indeferir meu pedido, com a justificativa que só os livros do CA seriam expostos e vendidos, para angariar fundos para as atividades do mesmo. Solicitei uma reunião com a diretoria e disse que eu fazia parte da escola, que não era o único a partilhar das idéias dos livros, que queria colaborar expondo os livros , que de bom grado reverteria o valor das vendas em benefício do centro acadêmico e que meus livros almejavam o mesmo fim, a partir de outro ponto de vista. Não havia conflito.

A reunião ocorreu num classe-laboratório da escola, com longas mesas. Um dos nossos mais respeitados colegas, que, inclusive, passara meses preso por ocasião do episódio com o “Minhoca” estava na sala, apesar de não fazer parte da diretoria (o Rui é hoje membro do Greenpeace no Brasil). Deitado sobre uma das longas mesas, parecia estar simplesmente descansando após o almoço, antes das aulas da tarde. Depois de explicar minhas razões, o presidente do CA começou a dizer um “Mas... Antes que completasse a frase o Rui o interrompeu, deitado ainda, só com a cabeça erguida, e disse: “Você tá certo, Rubens, teus livros podem ser vendidos junto com os do CA. Você tem todo o direito de participar da forma que puder. E eu agradeço pela tua colaboração.”

Não me lembro do resultado da feira. Certamente meus livros não foram best sellers. Mas marquei posição; percebi e mostrei que era possível aliar-me no combate à ditadura sem ser marxista e sem abrir mão das minhas convicções. Inesquecível...

sexta-feira, setembro 29, 2006

44- POLÍTICA 4

Fui ao ofício religioso de Vladimir Herzog, na Catedral da Sé.

Minha consciência cristã não me permitia conformar-me com sua morte. Logo no primeiro ano de faculdade havia perdido um colega mais velho, o “Minhoca” (Alexandre Vanuchi), abatido covardemente pela ditadura. Estar presente ao evento era o mínimo e o máximo que eu podia fazer.

Foi uma experiência emocionante. A praça cercada de militares, a multidão lotando a linda igreja. O sentimento de poder e impotência colidindo e co-existindo no coração. A percepção que algo acontecia, que a realidade mudava e que o mundo (ou pelo menos o Brasil) seria diferente daquele dia em diante. Difícil explicar.

quarta-feira, setembro 27, 2006

43 - POLÍTICA 3

O grupo de estudos políticos do qual fiz parte nos anos de universidade chamou a atenção de um homem que pretendia fundar um novo partido: PHC – Partido Humanista Cristão. Os ventos da abertura já sopravam.

Fiz amizade com ele, que nos tempos mais sombrios da ditadura havia sido preso - e trazia uma labirintite crônica como souvenir -, e participei de muitas atividades visando a organização partidária. Mas chegamos à conclusão que éramos poucos para implantar um partido e o melhor seria fazer parte de um partido já existente como “grupo”, “ala”, “facção”.

À procura de um partido nos levou a ter uma reunião com o Dr. Olavo Setúbal, líder do PP e renomado banqueiro. A reunião foi no escritório de um dos mais importantes membros daquele partido, o advogado Cláudio Lembo (enquanto escrevo, ele ocupa o cargo de governador de SP). Reunião curta, cheia de gentilezas, mas que nos deu a certeza de que pouco ou nenhum espaço de ação teríamos caso aderíssemos. Com o tempo, o grupo enfraqueceu-se e dispersou. Nosso líder e amigo chegou a candidatar-se (creio que a deputado) pelo PDT e cheguei a alistar-me como membro deste partido. Mas nunca atuei partidariamente, apesar de ter sido membro do staff de dois governos municipais em minha cidade.

domingo, setembro 24, 2006

42- POLÍTICA 2

Há vários anos, em parte devido à repressão militar, não havia greves no campus da USP. De repente, eclode uma greve na ECA (Escola de Comunicações e Artes), onde estudava uma amiga, participante de nosso grupo local de ABU. Ela apresentou a situação para o grupo, pois achava que devia apoiar a greve, pois os motivos eram justos, mas não queria desafiar as autoridades, que proibiam greves.

A discussão sobre o assunto foi profunda, havia pessoas nas três posições: contra, a favor, e sem opinião. Nossos estudos e debates nos levaram a apoiá-la, caso aderisse à greve. Fomos criticados por aqueles que achavam que a postura do grupo não era muito “cristã”, e admirados por aqueles que esperavam que cristãos fossem omissos e submissos nas questões políticas.

A greve finalmente acabou, sem a vitória dos estudantes. Mas serviu, e muito para meu amadurecimento. Anos mais tarde, um dos membros do grupo, que mais se opunha a uma postura politicamente ativa do grupo, veio me dizer que reconhecia que estávamos certos.

terça-feira, setembro 12, 2006

41- POLÍTICA 1

Ser um ativista político universitário nos anos 70 não era coisa simples. A trilha entre a “esquerda revolucionária e perseguida”, e o “conformismo burguês ao status quo” era estreita e mal demarcada. Além disso, o ativismo cristão era criticado pelos dois lados: por negar Marx e suas ilusões; e por pregar a rebeldia ao autoritarismo instalado. Ética e justiça eram base para atitudes que desagradavam aos dois lados. Mesmo assim, passamos incólumes.

Eu fazia parte de um grupo em SP que se reunia mensalmente para discutir “cristianismo e política”. Certa vez convidamos para a reunião um conhecido vereador, pastor evangélico, que havia sido eleito pela oposição e depois bandeara-se para a situação. Colocamos o homem em cheque e a cena foi constrangedora, ele não tinha justificativas para o que fizera, a não ser “conveniência política”. Resultado: escrevemos uma carta repudiando a sua atitude de mudar de partido sem consultar seus eleitores, traindo, assim, a confiança deles. Sem dó...

terça-feira, setembro 05, 2006

40- ROUBADO!!!

É difícil imaginar sensação pior do que a de ter sido roubado. Mesmo com o alívio de não ter se encontrado frente a frente com o bandido, livrando-se assim de uma possível agressão física e até a morte, a sensação de violência e invasão de privacidade é das piores possíveis. E eu já tive esse sentimento mais de uma vez...

Uma delas foi quando adolescente. Morava em Sampa, numa casa térrea, confortável, mas nada “chic”. Viajamos por alguns dias e ao voltarmos haviam invadido a casa, arrombando a janela. Além do furto, mexeram na cozinha, espalharam comida pela mesa e chão da sala, uma sujeira intencional e maldosa. Moleque ainda, passei alguns dias a imaginar os terríveis e variados sofrimentos a que submeteria os ladrões, quando os pegasse...

Muitos anos depois já em Sorocaba, casado e com filhos, saí do trabalho, perto das 5 horas da tarde, peguei meus filhos na escolinha e levei-os pra casa. A empregada havia saído por volta das 4, portanto a casa ficou fechada por pouco mais de uma hora. Entramos em casa, pela sala, e havia algo estranho. Em segundos percebemos que o vídeo cassete não estava junto à TV, e, olhando pelo corredor, vimos aberta a porta da cozinha, que dava para o quintal. Era uma porta de ferro e vidro, que havia sido entortada, provavelmente com pé-de-cabra, para a invasão. Num canto do quintal, muito, muito assustada, estava nossa cadela preta, viva, mas com certeza agredida, tal era o terror nos seus olhos. Voltei para o interior da casa e subi para os quartos, agora já temendo encontrar alguém. No quarto, sobre a cama, a gaveta de objetos da minha esposa estava toda revirada, faltando as poucas peças de jóia que tínhamos, algumas de grande valor sentimental. Mas não havia ninguém mais.

Chamamos a polícia, que veio, fez o B. O. e nos advertiu para o fato de que algumas residências naquele bairro haviam sido furtadas recentemente. Nunca recuperamos o que nos foi tirado. Eventualmente compramos o que podia ser comprado, menos os objetos de estimação. Apesar de nada de mal ter-nos acontecido, foi impossível impedir, por muitos dias, uma profunda sensação de agressão, impotência, raiva e medo.

segunda-feira, agosto 28, 2006

39- GATO ATROPELADO

Os filhos tinham 4 e 5 anos de idade. Nessa idade não há como fugir de ter um gatinho na casa. Era um gato comum, filhote ainda e ficava no quintal da casa, esperando receber atenção de qualquer um que passasse por perto.
Estávamos atrasado para algum compromisso. As crianças estavam fora (na escola ou outra atividade). Saímos apressados e, ao dar ré no carro, para tirá-lo da garagem, senti algo estranho sob o pneu, ao mesmo tempo que ouvi um miado abafado... Parei preocupado fui ver o que havia acontecido. O gato estrebuchava em convulsão. Não havia nada a fazer (nem tempo pra isso). Deixei o corpo do bichano num canto da garagem e fomos embora.
A única preocupação foi a de voltar antes das crianças. Eles não poderiam ver aquele gatinho morto, seria muito triste. Precisava me descartar do corpo; se o gato simplesmente sumisse, poderíamos arrumar outro mais tarde, sem grandes traumas.
Mas, qual foi a nossa surpresa, o bicho não estava mais lá! Mais tarde ele apareceu, com fome e aparentemente normal.
Não sei se os felinos tem sete vidas, mas que este teve pelo menos duas, teve!

terça-feira, agosto 15, 2006

38- AMIGO É PRA ESSAS COISAS

Na faculdade é inevitável a formação de pequenos grupos de alunos (as inevitáveis “panelinhas”), que por empatia se unem nas diversas atividades e situações da vida universitária.
Eu não era diferente. Tinha a minha, amigos com os quais fazia os trabalhos e pesquisas, estudos para provas, companhia nas excursões curriculares - que algumas vezes duravam vários dias.
Numa dessas viagens, conversávamos no ônibus da escola e o assunto voltou-se para nossos problemas pessoais. Discutíamos o que, como e porque o colega devia se comportar e o colega não concordou com minha opinião. Meus argumentos eram sólidos, o que perturbou o colega a ponto de ficar bravo comigo e estourar dizendo: “A vida é minha, faço o que quiser. Você não se meta na minha vida, ninguém te deu o direito de interferir”. Eu retruquei na hora: “Tenho todo o direito de me meter na sua vida, sim. Sou seu amigo e por isso não só tenho o direito como até a obrigação”.
Fui pra minha poltrona. Passaram-se alguns minutos e meu amigo apareceu no corredor. Meio “desemxabido”, sentou-se no braço da poltrona e disse: “Você tá certo, cara. Se meus amigos não tiverem a liberdade de me dizer o que acham que seja o melhor pra mim, mesmo que eu não goste, quem dirá?” E voltou para seu lugar.
O assunto morreu ali. Logo depois estávamos ocupados com qualquer outra coisa, nem me lembro o quê. Não mencionamos mais o incidente. Mas eu nunca me esqueci. Creio que o conceito ainda é válido hoje, eu acho.

quinta-feira, agosto 10, 2006

37- Ah! A PRAIA!

Quando se é criança, morando numa selva de pedras como Sampa, a praia exerce uma atração mágica: água, espaço, céu, horizonte, ondas, sol. Tudo contribui para a fascinação.
Imagine então, a excitação de meia dúzia de moleques, primos, indo para a praia com a Jô (era tia, mas não gostava de ser chamada assim)!!! Era demais.
Chegamos em Praia Grande de carro, à noite, e nos instalamos num pequeno apto.
Pela manhã, muito cedo mesmo, fui acordado por meus primos que me chamavam ao banheiro. O dia amanhecera chuvoso e cinza, mas nada diminuía o entusiasmo da turma. Como devíamos esperar a tia acordar e nos dar café da manhã antes de sairmos, estavam todos apinhados uns sobre os outros, olhando pela minúscula janela do banheiro. Do nosso apto, era o único lugar da onde se divisava o mar e a praia, meio que entre prédios. Mas dava pra ver as ondas chegando na areia cinza, ao longe.
Por que será que nos sentíamos assim, embevecidos por um céu, praia e mar cinzas e longínquos? Por que será que a imagem desta cena me é tão nítida que chego a ouvir o murmúrio das ondas e sentir o aroma salgado do mar? Não sei...

quinta-feira, agosto 03, 2006

36- CRIANÇAS

Nossos filhos são nosso maior tesouro, dizem. Concordo. E acumulamos jóias preciosas na memória, daquilo que nossos filhos foram ou fizeram, a cada etapa da vida. O álbuns de fotografia nos trazem à lembrança fatos e situações ternas ou hilárias que guardamos com carinho no coração. Outros fatos não estão registrados em imagens, mas temos nítida lembrança deles. Eis alguns:
1- Recém engatinhando, levamos nossa filha pela primeira vez à praia. Ela adorou!!! Curtiu o mar, apesar de insegura, as ondas e tudo o mais. Estendemos uma esteira na areia para que ela tomasse um pouco de sol. Depois de alguns instantes distraída com os brinquedinhos que a acompanhavam, ela se dá conta do espaço imenso à sua volta, e resolve engatinhar. Chega à beira da esteira e olha curiosa e interessada para a areia fina e branca da praia. Então, lenta, mas firmemente, leva a palma da mão até a areia, toca-a e retrai... O movimento é rápido, como se tocasse ferro quente, o corpo e o rosto arrepiam-se e transparecem surpresa, nojo, o inesperado. Olha para a palma da mão, vê a areia e limpa-a na esteira. Repete o movimento em direção à areia, lenta e firmemente. Novo arrepio. Pai e mãe lutam para não explodir em gargalhadas, interrompendo assim o momento mágico da descoberta. Inútil. Na terceira vez não há como resistir. Inesquecível!
2- Chegada a fase de diversificar a alimentação, procurávamos dar coisas diferentes aos filhos, com reações opostas. A menina, precavida, tinha a tendência a dizer que não gostava de tal comida antes mesmo de provar. Seu irmão tinha reação diferente: aceitava experimentar a novidade. Ao primeiro bocado, ele fazia uma careta como se não tivesse gostado, chegando, às vezes, a se arrepiar. Mastigava a comida, engolia e quando perguntado se queria mais... aceitava! Era tão divertido que chegávamos a dar-lhe novidades para experimentar só pra curtir essa reação tão contraditória. Hoje, com mais de 20 anos, ainda gosta de experimentar novos sabores, mas não faz mais aquela cara engraçada!

quinta-feira, julho 27, 2006

35- CADÊ MEU FUSCA ?!?!

Meu fusquinha verde - “o abacatomóvel” – era um excelente carro, me deu muitas alegrias e foi utilíssimo, especialmente quando as finanças eram muito apertadas e as crianças, muito pequenas. Mas, depois de sete anos com ele, as crianças já maiorzinhas, e a grana não tão curta, o velho fusca, com mais de 15 anos de existência, já não era o suficiente. Com esforço, comprei um Gol pelo consórcio. E por alguns dias fiquei com dois carros, mas pretendia vender o fusca logo.
Minha cunhada veio de S. Paulo com a família nos fazer uma visita de fim-de-semana. Como só cabiam dois carros, à noite deixei o deles e o Gol na garagem e estacionei o fusca em frente ao portão, trancado, marcha engatada, pára-choque junto ao poste de luz da rua.
Na manhã seguinte, domingo, acordo pouco mais tarde e encontro meu cunhado lendo o jornal da manhã tranqüilamente no jardim da frente, enquanto fuma um cigarro. Chego até ele e conversamos sobre futebol, o tempo, e outras trivialidades. Aí perguntei se ele havia ido até a padaria de carro pra comprar pão quente pro café-da-manhã e ele disse que não. Então eu perguntei: “Ué, e cadê o fusca?” Ele fez uma cara de espanto e me disse: “Você não tirou ele daqui?”... Lentamente nos demos conta que o fusca tinha sumido da frente de casa, e que nem ele nem eu havíamos percebido isso até aquele momento.
Foi um alvoroço. Saí na rua para me certificar que ele não teria descido a ladeira sozinho (o que seria improvável, visto que o poste estava na frente dele). Pegamos o carro do meu cunhado e reviramos o pacato bairro onde morava e... nada!!! Só me restou gastar preciosas horas do domingo na delegacia, fazendo um B.O., e lamentar não ter feito seguro do carrinho (afinal eu ia vendê-lo logo! e quem iria querer um fusca velho?!). Nas semanas seguintes ainda tive esperança de que o encontrassem abandonado por aí, mas em vão. Nunca mais soube do meu “abacatomóvel”, que deve ter ido pra um desmanche e desaparecido.
Sorte que eu tinha o meu Gol zerinho pra compensar a perda, não é? Mas quer saber de uma coisa? Não compensou.

sexta-feira, julho 21, 2006

34- "YAHOO, MINAS GERAIS...AIII !

Acampei, com meus irmãos escoteiros, no terreno do Umuarama Hotel, em Campos do Jordão, nos anos 60. Lugar lindo, convivência alegre, atividades movimentadas compunham estes dias felizes.
Uma das atividades mais esperadas era poder cavalgar pelas estradinhas de terra da região, conversando, brincando: diversão de primeira!
Um dos escoteiros tinha a mania de gritar “yahoo, minas gerais!” quando punha seu cavalo a galope. Estávamos perto do lago do hotel, e a estrada passava pelo vertedouro do mesmo, por uma ponte de madeira. Estávamos de um lado do lago, a cavalo, e o escoteiro do outro lado nos viu e decidiu galopar até onde estávamos. Quando seu cavalo pegou velocidade, ele, cheio de pose, deu seu grito de “cowboy”: “yahoo, minas gerais!”, o que nos fez olhar para trás a tempo de ver o cavalo dar uma violenta derrapada na ponte de madeira e ejetar o escoteiro da sela a metros de distância, num tombo espetacular. Felizmente, sem vítimas, mas com muitos gemidos de dor.Depois disto, os colegas, sempre que queriam brincar com ele, diziam: “yahoo, minas gerais, aiii!!!”.

terça-feira, julho 18, 2006

33- DOR DE DENTE

Viajei, com estudantes universitários da ABUB, para S. Felix do Araguaia, em Goiás, com o objetivo de dar apoio à pequena comunidade evangélica do lugar e também prestar alguma ajuda aos índios Carajás da Ilha do Bananal. Foi uma viagem inesquecível por muitos motivos: desde o maravilhoso grupo com que convivi, a visita ao centro lingüístico em Brasília, a viagem de “teco-teco”, o majestoso Rio Araguaia, os banhos de rio ao pôr-do-sol e as atividades que realizamos, até fatos pitorescos como o que relato.
Passamos uma semana com os índios, acompanhados de uma enfermeira da Funai. Esta, teve de sair por uns dias, e ficamos na aldeia, hospedados na casa para funcionários, convivendo e conhecendo um pouco da cultura carajá.
Uma tarde, recebemos a notícia que o chefe da tribo estava doente, com terrível dor de dente. Alguém da tribo veio saber se podíamos fazer alguma coisa pelo chefe. O consenso era de que nada podíamos fazer sem a autorização da funcionária da Funai. Mas eu achei que pelo menos minorar seu sofrimento até a volta da enfermeira era possível. E – ousadia! – ofereci um comprimido de aspirina.
No dia seguinte, fomos, apavorados, saber como o chefe havia passado a noite. Estávamos morrendo de medo que o remédio pudesse ter causado algum efeito colateral indesejado, visto que eles provavelmente não estavam acostumados com a farmácia do homem branco, e que estivesse bravo conosco. Ele poderia nos dar algum castigo inimaginável... Suspense...
O próprio chefe sai da cabana, sorri muito constrangido, e diz que dormiu muito bem, sem dor nenhuma, a melhor noite da semana. Em seguida, me estende um colar de contas e penas, feito por ele mesmo, para me agradecer e diz “obrigado” na sua língua, acrescentando uma palavra que seria o meu nome carajá.
Poucas vezes me senti tão aliviado e tão orgulhoso na vida. O meu nome carajá - infelizmente não lembro mais - e o colar ficaram comigo muitos anos - eventualmente este deteriorou-se e joguei fora.
Mas as lembranças ficam... E um pouquinho do orgulho também...

sexta-feira, julho 14, 2006

32- VERÃO "INGLÊS"

Durante alguns anos trabalhei na ABUB, no fim dos anos 70 e início dos 80, com uma maravilhosa e heterogênea equipe: um inglês, antropólogo de Cambridge, com português perfeito; uma assistente social maranhense e entusiasmada; um economista mineiro (uai), desconfiado e crítico; e eu, um geólogo extraviado.

Nosso escritório no primeiro andar tinha grandes janelas que permitiam muita iluminação, e boa visão do céu paulistano. Num dia de inverno, o céu estava totalmente nublado, e apesar de não chover, o tempo não era nada animador. Parei seja lá o que estava fazendo e olhando para aquele céu cinzento comentei: “que dia, hein?”. Ao que meu colega e amigo antropólogo retrucou em inglês, tirando os olhos da leitura e observando o céu atentamente: “sure, just like summer in London (é mesmo, até parece um dia de verão em Londres)”.

Só quando ele olhou pra mim e viu minha cara de horror, percebeu o que havia dito. E demos boas risadas. Que bom é viver num país tropical!

terça-feira, julho 11, 2006

31- BANANA SPLIT

Quando somos jovens, tendemos a fazer um monte de bobagens. Algumas trágicas, outras, que desejaríamos não lembrar, mas que nossos amigos não se esquecem...
Fim-de-tarde, um grupo de estudantes de medicina se reúne na famosa sorveteria Alasca para curtir um sorvete e bater-papo. Elaine faz parte do grupo e eu a acompanho. Cada um pede um sorvete e o estudante pede uma “banana split”. Vem aquela taça enorme que ele devora com vontade, e pede uma segunda. Ao ver o assombro dos colegas, ele comenta que gosta tanto de sorvete, e mais ainda, da combinação do sorvete com a fruta na “banana split” que seria capaz de comer três taças daquelas. Seu comentário final é acompanhado de um murmúrio de descrença, bem na hora que o garçom chega com a segunda taça. Experiente e brincalhão, o garçom fala pro rapaz que se ele conseguisse comer toda a segunda taça, a terceira seria por conta dele.
Todos já acabaram seus sorvetes e estão de olhos postos no colega e sua taça. E o ele vai comendo, conversando e comendo, cada vez mais lentamente, até que diz: “gente, vou dar uma voltinha”, levanta-se e sai a caminhar pelo quarteirão. Volta, senta-se, recomeça a tomar o sorvete, mas chega um ponto em que começa a passar mal e todos o aconselham a parar antes que dê um vexame e vomite em plena sorveteria.
Desolado, paga por duas taças e sai comentando: “essas taças tinham sorvete demais”. Ele talvez não se lembre do fato, mas todos os seus colegas de faculdade, sim.

sexta-feira, julho 07, 2006

30- SERENATA

Acampamentos eram freqüentes quando jovem. Freqüentei-os na Palavra da Vida (nas férias) e no Escotismo (fins-de-semana e feriados), dos 12 aos 16 anos, e na ABU, dos 19 aos 24. Mesmo em família, fazíamos freqüentes viagens acampando.
Estava em Souzas (Campinas – SP), com um grupo de universitários “abeuenses”, para um acampamento de férias. Alguns dias de muito esporte, estudos, bate-papos, brincadeiras e comida. E muita paquera, também, porque ninguém é de ferro...
Uma noite, sei lá porquê motivo, quis fazer uma surpresa pras meninas. Convidei os rapazes para fazermos uma serenata pra elas, coisa antiga já naquele tempo. Não era mais costume. Mas me deu na cabeça de fazer. Os amigos ficaram ressabiados e desistiram quando o único que sabia tocar violão quis ir dormir mais cedo. Afinal, uma serenata que se preze deve acordar as donzelas, e cansados de tantas atividades, era difícil esperar acordados que elas dormissem. Mas eu estava decidido.
Saí no meio da noite do dormitório masculino em direção ao quarto das meninas. Sem instrumento, sem habilidade vocal, sem ensaio, fui na cara e na coragem. Cantei uma ou duas modinhas de Juca Chaves, pouco conhecidas pelas meninas.
“É noite, inda brilha a lua,
na rua do amor.
O cenário é uma aquarela
pintada a sonhos
tristonho de dor.
Eu vejo surgir na esquina
a menina que vive em mim.
Tão linda e divina, ao vê-la
uma estrela
desmaia enfim...”

...fiz o maior sucesso!!! Até hoje não sei se pela interpretação, ou pela cara-de-pau...

segunda-feira, julho 03, 2006

29- A COPA DE 70

A Copa de 2006 me leva de volta à de 1970... Ainda não sei se o Brasil chegará à final, se será hexacampeão ou voltará pra casa com o rabo entre as pernas. Mas já valeu pelas lembranças de 70...
O Brasil ganhara afinal! Tri-campeão!!! A euforia que tomou de todos era palpável na vibração que se sentia no ar, nos sons, nas cores (verde e amarelo em tudo), nos rostos das pessoas que passavam em frente à minha casa na Av. Rebouças, em São Paulo, naquela tarde.
Logo percebemos (alguns primos assistiram ao jogo final em minha casa) que o povo se dirigia à Rua Augusta, à famosa, chic e super-frequentada Rua Augusta, centro de aglomeração da juventude na era pré-shopping (há muito tempo atrás) na zona Sul de São Paulo.
Fomos correndo pra lá e um mar de gente tomava a rua por vários quarteirões. Os carros não trafegavam e os pedestres subiam e desciam a rua, cantando, dançando, pulando como loucos.
Em meio a toda essa loucura, uma coisa saltou à minha vista, me surpreendeu e permanece na lembrança daquele dia feliz: alguém havia conseguido abrir a caixa de controle de um semáforo e usava-o para fazer as luzes piscarem, alegres e ensandecidas: verde e amarelo... amarelo e verde... verde e amarelo...

sexta-feira, junho 23, 2006

28- COPA DO MUNDO

Em 1958, com apenas 6 anos de idade, senti pela primeira vez o que é ser Campeão Mundial de Futebol no país do futebol.
A única coisa que me lembro, é a de estar brincando na rua – morava numa pequena rua sem saída na periferia de São Paulo – e ver um avião sobrevoar baixo a cidade, e as pessoas acenarem dizendo que eram os campeões mundiais que chegavam da Europa...
Em 1962, tentei ouvir alguns jogos, mas as rádios de ondas curtas eram horríveis de se ouvir, não tinha paciência e conformei-me em ver os documentários no cinema. Em 1966... esqueça 1966!!!
Mas em 1970... Ahhhhh!!! 1970 foi outra coisa. Inesquecível, inebriante, contagiante, foi tudo de bom. E eu, com 18 anos, bebi os jogos do Brasil pelos olhos e ouvidos como se bebesse o néctar dos deuses. E era.

segunda-feira, junho 19, 2006

27- CAPRIOTTI

A vida universitária é espetacular... pena que não percebamos isso quando somos estudantes. No meu caso, vários fatores contribuíram para torná-la inesquecível.
Confesso que o primeiro ano foi meio assustador. Ambiente, colegas, matérias, toda a minha vida revirada. A ponto de chegar para o meu pai, no fim do ano e dizer que se as coisas não melhorassem, iria desistir do curso.
Mas melhoraram. E muito. Por um lado, depois de familiarizado, a cidade universitária tornava-se um imenso campo de vivências novas e excitantes: shows, esportes, exposições, as próprias aulas, palestras, movimentos: tudo enriquecia, tudo absorvia, especialmente porque passava o dia no campus.
Fundamental para essa mudança de perspectiva sobre o curso e a vida no campus foi fazer parte da ABU (Aliança Bíblica Universitária). Proporcionou-me uma nova visão do meu papel ali na USP, uma nova visão do meu papel social (junto com a combativa, energética e crítica atuação política dos meus colegas de curso – a Geologia). Equilibrando-me entre o cristianismo engajado da ABU e o marxismo utópico da Geo, fui imensamente desafiado, encorajado, e preparado para a vida. Sem pieguismo, nem ceticismo exacerbados. Nem “penteca”, nem “libelu”.
O ponto alto de meu engajamento na ABU se deu com a descoberta do compromisso político e social cristão com os pobres. A organização de um projeto social composto por estudantes universitários para apoiar a comunidade carente de Capriotti (em Carapicuíba) foi o aprendizado prático e afetivo importante. Hoje mesmo, 30 anos depois, o projeto ainda existe, e pessoas que fizeram parte da primeira equipe universitária ainda são parte dele. E lembrar dele é perceber que ao estender a mão em solidariedade ao próximo, eu é que fui o mais beneficiado, com lembranças de pessoas e fatos que marcaram minha vida.
Sobre estes, escreverei depois.

quinta-feira, junho 08, 2006

26- DENTE QUEBRADO

Meus primos e eu gostávamos, aos 8, 9 anos de idade, de brincar de “luta” na imensa cama de minha avó. Sempre acabava com alguém machucando alguém, briga, choro, estas coisas de criança.
Pois bem, lá estávamos nós, brincando, quando um empurrão mais forte me derrubou dentro do guarda-roupa da avó, cuja porta estava aberta. Saí bufando e meu primo, esperto, escapuliu correndo pela casa, comigo no seu calcanhar. Logo ao entrar na cozinha, alcancei-o com braço em suas costas. Esse impulso, aliado à velocidade com que ele corria, foi o suficiente para que se esparramasse no chão, de boca, quebrando o dente da frente.
Na época não havia conserto, e por muitos anos seu sorriso me lembrava o que eu havia feito. Quando surgiu a tecnologia de reparadora, o alívio foi para ambos: ele pode voltar a sorrir sem problemas, e eu voltei a vê-lo sem remorso.

segunda-feira, junho 05, 2006

25- MACNUT

Nos idos da década de 80, comecei a me interessar pelo mundo dos computadores. Anunciavam o breve surgimento de micro-computadores, pequenos o suficiente para se ter no escritório, potentes o bastante para aposentar a calculadora, o arquivo de gavetas e a máquina de escrever. Quando finalmente surgiram, comecei a ler tudo o que podia sobre eles, e até comprei livros. Logo, o Basic, o DOS, o C:, o Lótus, e o DBase começaram a fazer parte do meu mundo. Mas não o computador. Além de caros, necessitavam conhecimentos que eu não possuía e minhas atividades profissionais na época não exigiam coisa tão sofisticada.No fim da década fui aos EUA a trabalho e tive contato com o Macintosh da Apple, o “computador à prova de idiotas”. Para se trabalhar com ele não era necessário conhecer a linguagem de computador, nem saber os princípios da programação como eram os computadores da época. Convivi 40 dias com um Mac e fiquei embevecido com as possibilidades. Era tão avançado em comparação com os enormes e lentos PC da época, que dizia-se que quem conhecia um Mac tornava-se fã: doido por ele (“Macnut”) Só não trouxe um pra cá porque a alfândega não permitia. Mas, junto com um amigo, conseguimos que um americano nos trouxesse um modelo “Classic”. Dividimos o custo meio a meio, e quando o americano chegou, fui buscar o Mac no Rio de Janeiro, de ônibus! A sensação que tive ao ligá-lo em casa foi a de ser proprietário de uma nave intergaláctica. Hoje, o “Classic” provocaria risos com seu monitor monocromático, ausência de CD, som estéreo, etc. Mas, quer saber, ainda sinto saudades do bichinho, nunca dava pau, era veloz e muito, muito simples de manusear. E por mais que digam que as diferenças hoje são mínimas entre um PC e um Apple, ainda sinto vontade de voltar a pilotar um. Quem sabe, um dia...

quinta-feira, junho 01, 2006

24- TRANSLATION, PLEASE!

Trabalhei para uma organização cristã universitária, nos anos 70, que mantinha relações com organizações congêneres de outros países. Assim, de vez em quando, nos reuníamos com alguns estrangeiros por diversos motivos. Certa vez participei de uma reunião com outras seis pessoas. Havia um inglês que falava português, inglês e espanhol; dois brasileiros que falavam só português, mas entendiam espanhol; um argentino que falava espanhol e inglês; um americano que só falava inglês; e eu, que arranhava os três idiomas.
A reunião transcorreu em três idiomas, assim, quando alguém falava em inglês, havia necessidade de traduzir para o português; se falavam em espanhol, traduzia-se para o inglês; se diziam algo em português, traduzia-se para o inglês.
No calor da conversa, num certo momento, o argentino disse algo em espanhol e meu amigo inglês apressou-se a virar para o colega americano e traduziu... para o português !!!! Depois de um momento de espanto, caímos todos na risada. E achamos melhor fazer um intervalo.

segunda-feira, maio 29, 2006

23- QUARTO "TEEN'

Meu quarto, aos 14 anos, era um mundo a ser criado. Morando numa casa antiga, em plena avenida Rebouças, SP, ter meu próprio quarto era apenas o começo. Precisava torná-lo “meu espaço”. Com recursos financeiros escassos, mas muita criatividade, pus mãos à obra.
De um calendário do ano anterior retirei 12 fotos incríveis das mais diversas paisagens: montanhas nevadas, florestas, rios e mares que foram colocados na parede, entre o teto e o cordão de madeira, antigo enfeite usado para dar a impressão que o teto era mais baixo.
De um cinema consegui o cartaz de publicidade do filme “Excalibur”, com um cavaleiro de armadura, lança em punho, vindo a galope em sua direção. Foi colocado na porta de entrada.
Uma parede recebeu uma foto de uma “naja”, pronta para o bote, saída de um cartaz de propaganda da revista “National Geographic” que consegui com uma banca de jornais.
Ao lado, a foto, tamanho natural, de uma famosa modelo da época. Recortei sua silhueta e... uau! Ficou dez!
Para concluir, pendurei os chifres de um pequeno veado – troféu de caça que ganhei de um fazendeiro de Jambeiro, SP - que além de uma enorme fazenda, tinha uma matilha de cães perdigueiros também imensa, com a qual costumava caçar.
A janela recebeu algumas dezenas de adesivos e decalques de todo tipo de produto, formando um mosaico multicolorido
O toque final foi dado por minha tia Jô, que me deu um gravador de rolo para que eu pudesse gravar e ouvir minhas próprias músicas. Para ouvir, deitava-me no chão, sobre um tapete de couro de boi e ligava o som a todo volume.
Imagine!!!

segunda-feira, maio 22, 2006

22- PESO PENA

Viajava pela Br 116, de volta para casa, depois de merecidas férias. Acompanhado pela família, parei num posto a beira da estrada, para um pequeno lanche e descanso. O posto, muito bem equipado, possuía um restaurante enorme, com uma grande frente envidraçada. Dentro, pratos diversos, lanches, bebidas e guloseimas eram oferecidos junto com artesanatos, jornais e revistas diversos.
O grande movimento obrigava o estabelecimento a manter as portas - de vidro - abertas para favorecer o fluxo de pessoas. Por estas portas, passou um beija-flor. Atraído, com certeza, pelos odores que emanavam dos alimentos – especialmente os doces – ele volteou pelo salão e decidiu, talvez pelo excesso de pessoas, sair. Mas, desconhecendo a parede invisível que cercava o local, chocou-se violentamente contra o vidro, a ponto de cambalear. Recuperou-se e tomou novamente altura para repetir o gesto tresloucado. Novo choque violento contra o vidro. Depois de algumas tentativas frustradas, o passarinho perdeu as forças e foi lentamente pousando no chão do restaurante, enquanto se debatia em vão para atravessar o vidro. No chão, ficou quieto como morto.
Não resisti ao impulso de socorrê-lo, e cheguei perto, de mansinho. Apanhei-o, e percebi imediatamente que segurava um ser vivo – o coraçãozinho disparado – leve como pluma. Foi a coisa mais leve e frágil e linda que já segurei. A emoção foi de dó, ternura e entusiasmo pela vida que eu tentava salvar.
Ele ficou muito quieto, levei-o pra fora e abri a mão. Por uns instantes, ele não se mexeu. Então, levantou a cabeça, ajeitou-se e rapidamente voou para o alto em direção às árvores do pátio de estacionamento. Duas ou três crianças que me acompanhavam excitadas desde que havia segurado o bichinho bateram palmas. Voltei pro restaurante, reuni a família e retomamos a viagem com uma história incrível pra lembrar.

quarta-feira, maio 17, 2006

21- VIAGEM LONGA

Minha tia era uma solteirona simpática e ousada. Resolveu visitar uns parentes em João Pessoa, Paraíba, e levou dois sobrinhos adolescentes consigo. Eu era um deles. A viagem, em plena década de 60, foi feita de ônibus, em 52 horas de viagem ininterrupta! Graças a Deus, sem maiores percalços. Na volta, em certo trecho do sertão baiano, não havia muitos recursos à beira da estrada e, com isso, viajamos por horas, sem parar. Após algum tempo, a hora do almoço foi passando, e a fome chegou. Num certo momento, um nordestino bem típico, gritou do fundo do ônibus: “Ô seo motorista! Num vamo pará pra cumê? As bicha já tão preguntano pras guela: num desce nada daí não?” Depois de um segundo de surpresa, o ônibus veio abaixo em gargalhadas.

sexta-feira, maio 12, 2006

20- COMIDA FARTA

Almoços em família sempre foram comuns, tanto para mim como para Elaine. A dela, composta de 4 irmãs, a avó e a tia-avó, e os “agregados” facilmente enchiam a mesa de jantar da sua casa. Na minha família, 4 tios, 8 primos e “etc” também formavam um bom grupo. As semelhanças incluíam a risada fácil nas conversas, muitas fofocas e uma longa refeição com enorme quantidade de comida. A diferença mais marcante também era a mais sutil. Na família da Elaine, a fartura incluía varias saladas, carnes e acompanhamentos, com frutas e uma bela sobremesa. Já em minha família, o cardápio também incluía vários tipos de pratos salgados, mas sobressaia o fato da mesa de sobremesas ser quase tão variada quanto a de comida salgada, com 4 a 5 sobremesas, feitas em casa, tentando atrair a gula dos familiares. Arroz-doce, pudim de leite, pavê, doce de abóbora e manjar branco eram consumidos avidamente por todos. Porém, a “ambrosia”, receita centenária, carinhosamente mantida na família por gerações - tão doce que o marido de minha prima a definia como “de amarrar a testa” - era disputada a tapas. Sorte minha, que preferia arroz-doce e, portanto, não precisava entrar na disputa...

quarta-feira, maio 10, 2006

SALADA MISTA

Taí. Resolvi escrever sobre o hoje, o agora, o já. Como este não é o lugar apropriado para isto, tô bancando o besta e me metendo a fazer outro blog, de "atualidades", chamado Salada Mista, para a qual todos são convidados a saborear e colocar seus próprios ingredientes.
Passe lá... http://rubensosorio2.blogspot.com
Abraços, Rubinho

19- ACHEI A ELAINE !!!

A primeira vez que a vi... lembro-me bem. Fui com amigos da ABU a uma igreja. Iríamos apresentar o trabalho que fazíamos nas faculdades, em 1975. Antes do culto começar, fomos para uma sala nos fundos, preparar material de divulgação para distribuir aos presentes. Lá estava ela: cabelos cacheados, olhos vivos e meigos, sorriso fácil, timidez atraente. Fomos apresentados por um amigo meu, seu clega de faculdade. Para não dar na vista que estava muito interessado nela, puxei conversa com sua irmã, que, muito simpática, tornava fácil o papo. Incluía, sempre que podia, a Elaine na conversa, e tive uma noite muito agradável.
Criei coragem e fui vê-la poucos dias depois, na faculdade. Aproveitei e convidei-a para ir ao Playcenter com alguns amigos, no fim-de-semana. Foi divertido, e passei a manter contato com ela sempre que podia. Viajei, nas férias de julho, para Guarapari, enquanto ela foi para Santos com a família. Caminhando pela praia e sentindo saudade daquela pessoa que já havia se tornado tão especial pra mim, recolhi algumas conchinhas e as trouxe de volta comigo. Como ela não havia retornado de Santos ainda, viajei para encontrá-la, cheio de ansiedade e prazer. O encontro foi gostoso e combinamos de jantar naquela noite com minha tia, que morava na outra ponta da praia. Fizemos o caminho de volta a pé, mais de 5 quilômetros, pelo calçadão da praia, lentamente, mãos dadas, conversando sobre tudo... sobre nada... (já nem me lembro mais). Ao fim do caminho, namorávamos. E dois anos e meio depois, casávamos. Já faz tempo, muito tempo, mas a imagem da primeira vez que a vi nunca me saiu da mente... e do coração!

quinta-feira, maio 04, 2006

18- "VOANDO" COM OS BEATLES

Gostava, e ainda gosto, e muito, dos Beatles. Nos anos 60, meus pais diziam que era só moda. Eles iriam desaparecer porque não faziam música “de verdade”, como Bethoven, Bach ou Mozart. Aos 15 anos, pensassem o que quisessem: os Beatles eram o máximo!
Então saiu “Sgt Peppers”. Um disco que eternizou o já famoso quarteto no mundo da música pop. Comentários mil, desde “genial” a “faz a apologia das drogas”, por ter feito uma música cujas iniciais do nome montavam a sigla LSD. Eu tinha que arrumar o “LP” pra ouvir, já que não tinha dinheiro para comprá-lo.
Finalmente, consegui trazer o disco pra casa. Acomodei-me no chão do quarto, como sempre fazia quando ia ouvir música, coloquei a cabeça entre as caixas acústicas da vitrola, e pus o disco pra rodar.
Ouvi todo o disco com interesse e prazer. Algumas faixas realmente me fascinaram, especialmente a que contava a historia da garota que fugia de casa, “She’s Leaving Home”.
Foi quando o disco chegou na última faixa, “A Day in Life”. Música legal, mas nada de excepcional, já que o disco todo era fabuloso. De olhos fechados, acompanhava a banda... e percebi que tinha “viajado”! O que tinha acontecido? Dormi? Não, não me sentia como se tivesse cochilado, mas sim, como se voltasse à realidade depois de ficar desligado dela por alguns instantes. Nossa! Então deve ser assim que as drogas fazem! E eu pude experimentar sem tomar nada... Só ouvindo Beatles... Um barato!

domingo, abril 30, 2006

17- PORRE

Quando o inverno finalmente cedeu, e as temperaturas se tornaram amenas, o grande e esperado evento para os jovens daquela pequena cidade americana, onde morei no intercâmbio, era o chamado “spring break”, férias de primavera: uma semana sem aulas! Iam todos (sem exagero, todos) para a praia, a uns 180 km de distância, e o esporte oficial da semana era o que seria impossível fazer em casa: beber cerveja à vontade (as leis sobre bebidas eram rígidas e obedecidas no estado, exceto naquele lugar, naquela semana). Podia-se perceber, pela manhã, o trajeto do caminhão de lixo, pois ao recolher os latões, escutava-se o barulho de centenas de latinhas caindo na caçamba do caminhão.
Estava hospedado, com meu “irmão” Steve (no intercâmbio, morava com uma família a quem me referia como pais e irmãos) numa casa alugada com outros colegas da escola. Lá também a bebida corria solta.
Uma noite o pessoal já tinha passado da conta e dormiam largados pela casa. Eu e uma amiga da escola namorávamos na sala, sóbrios (por excesso de responsabilidade ou falta de coragem, não sei), quando Steve aparece na porta do quarto, zonzo e de olhos vidrados como um legítimo bebum.
Parou, olhou para nós, murmurou algo incompreensível e dirigiu-se cambaleante para a cozinha, separada da sala apenas por um balcão. Minha amiga e eu acompanhamos seus passos trôpegos. Ele abriu a porta da geladeira e fez menção de mexer na calça. Demorei alguns segundos para perceber o que estava para ocorrer. Quando me dei conta, saltei correndo, segurei-o pelas costas e o empurrei até o banheiro, onde o deixei, de frente para o vaso sanitário. Voltei às gargalhadas para a sala e rimos de chorar por um bom tempo. Confundir a geladeira com a privada era hilário demais!
Minutos depois, como ele não saia do banheiro, voltei lá para ver se ele não estava passando mal. De maneira alguma, mãos na parede, zíper aberto, ele dormia calmamente, em pé, de frente para o vaso. Eu o empurrei novamente para a cama e lamentei não ter uma maquina fotográfica em mãos.
Steve nunca admitiu ter passado por esta situação, que só eu e minha amigas tivemos o privilégio de presenciar. Esta cena ajudou a tornar aquela semana inesquecível!

quarta-feira, abril 26, 2006

16- PAIXÃO

A primeira paixão... Ah... a primeira paixão!!!
Tinha por volta de 8 anos e freqüentava a igreja, onde também freqüentava a minha primeira paixão: cabelos claros e lisos, robusta sem ser gorda, alegre, um ano mais velha (na minha idade era um tempão), simpática, minha amiga, prima de um grande amigo... caramba!!! Que sufoco, esconder tudo no peito e só admirar cada gesto, cada olhar, cada palavra...
O tempo passou, mudamos; eu de bairro, ela, de cidade. Adolescentes, recebi a noticia da morte da sua avó, e meu pai iria ao enterro. Dei um jeito e fui também.
Encontrei-a no cemitério, triste e chorosa. Pus-me a seu lado, segurei sua mão, e não disse muita coisa. Assim que o caixão começou a ser coberto pela terra jogada pelos coveiros, ela quis dar uma volta. Saímos pelas alamedas do cemitério, um daqueles cheios de túmulos, lado a lado, sem nenhum atrativo. Caminhamos em silêncio, mãos dadas. Depois de um tempo começamos a conversar sobre nossas vidas, o que cada um fazia, etc. Ela voltava a chorar um pouco, e eu a abraçava, e a deixava chorar no meu ombro.
Voltei pra casa tão deslumbrado com a experiência, que não consegui me aquietar a não ser depois de escrever um pequeno poema sobre o reencontro e meu sentimentos (“Depois que te vi...” começava).
Passamos a nos escrever vez ou outra. Fui visitá-la numas férias, com minha irmã e uma outra amiga. Percebi que não seríamos mais do que amigos do passado. De qualquer forma, valeu. Aquele sentimento bonito e ingênuo ficou registrado no peito.

segunda-feira, abril 24, 2006

15- VENDO A MORTE DE FRENTE

“A near death experience”. É assim que os gringos se referem a uma situação na qual a gente vê a morte de perto.
Minha mulher e eu viajávamos no pequeno monomotor de um empresário amigo em direção a Gramado. No avião, além de nós três, ia o piloto e um professor de teologia, muito amigo do empresário. Saímos de Londrina com tempo bom, e voamos gostoso, batendo papo, sobre as terras paranaenses e catarinenses até atingirmos a serra gaúcha. O tempo mudou rapidamente, e fomos avisados pelos controladores de vôo que previam o fechamento em breve dos aeroportos da região, devido à nebulosidade.
Ao chegarmos em Gramado, já não se via nada acima ou abaixo de nós; eram só nuvens por todo o lado. O piloto disse que ia baixar bastante para fazer contato visual com o aeroporto, pois não poderia aterrisar por instrumentos. Fomos baixando por entre nuvens - exceto pelo piloto - sem noção de onde estávamos, imersos no branco acinzentado até que, por uma fresta na cortina branca, vislumbrei ao meu lado, como se fosse ao alcance do braço, uma parede verde escura e sólida; a encosta de uma serra. Levamos um grande susto por estarmos tão próximos do solo, e por ele não estar abaixo de nós, e sim, ao lado, como uma parede que surgia de baixo e desaparecia no alto. A uma ordem do empresário, o piloto arremeteu para cima e logo o céu surgiu, azul e ensolarado acima de nós.
Visto que não poderíamos aterrisar em nenhum outro aeroporto da região, só nos restou voltar para Sta. Catarina, onde o tempo estava bom, e descer numa cidade pequena, para passar a noite, abastecer o avião e voltar no dia seguinte para Londrina.
A viagem pode ter sido frustrada em seu objetivo, que era chegar em Gramado, mas realmente foi uma experiência de vida profunda e valiosa. A possibilidade concreta de morrer espatifado na montanha fez-nos encarar medos, valores e sentimentos que poucas vezes tínhamos tido a chance ou a coragem de enfrentar. Conclusão: não tenho medo de morrer, mas sou muito grato a Deus por estar vivo!

sábado, abril 22, 2006

"Daquilo que eu sei..." de Ivan Lins/Vitor Martins

Daquilo que eu sei
Nem tudo me deu clareza
Nem tudo foi permitido
Nem tudo me deu certeza

Daquilo que eu sei
Nem tudo foi proibido
Nem tudo me foi possível
Nem tudo foi concebido

Não fechei os olhos
Não tapei os ouvidos
Cheirei, toquei, provei
Ah! Eu usei todos os sentidos

Só não lavei as mãos
E é por isso que eu me sinto
Cada vez mais limpo
Cada vez mais limpo...

quarta-feira, abril 19, 2006

14- HONESTIDADE

Morando há pouco tempo no interior com a esposa e dois filhos pequenos, a mais de 200 km do restante da família, a adaptação a esta nova situação não estava fácil. Ainda mais porque havia comprado meu primeiro carro, e ele havia provado ser uma porcaria, um péssimo negócio. Quando consegui trocá-lo pelo meu “abacatomóvel” - meu fusca verde de 12 anos - senti-me um vencedor. O carro era confiável, econômico, e resistente. Só não era bonito e confortável, mas isso não me incomodava. Eu o utilizava diariamente para trabalhar.
Portanto, foi uma grande decepção quando meu carro, de repente, começou a fazer um ruído enorme no motor, ruído esse que aumentava com a aceleração. Pensei: “É pistão quebrado, cilindro rachado, alguma coisa grave assim!” E fui direto para a oficina.
Mal cheguei, o mecânico veio me atender e nem precisei falar nada, o som do motor dizia tudo. Disse: “Sei que isso vai te dar trabalho, e vai me dar despesa, mas não posso ficar sem o carro, portanto vou deixá-lo aqui, você vê qual é o problema, diz o preço, e faça o conserto”. O mecânico pediu-me para desligar o motor, foi até a traseira, abriu o capô, olhou, mexeu, fechou o capô e, mãos nas costas, pediu que eu ligasse o carro.
Nada!!! O motor pegou, mas nenhum ruído estranho saiu dele. Aturdido, perguntei o que ele havia feito. Ele mostrou as mãos, segurava uma enorme folha de jornal todo amassado. Aquilo havia entrado na ventoinha de refrigeração do carro, e as pás do ventilador raspavam o papel fazendo aquele barulho ensurdecedor. Tivesse o mecânico más intenções, e ele poderia ter ganho um bom dinheiro às minhas custas, sem fazer nada. Mas ainda existe esperança neste mundo!

segunda-feira, abril 17, 2006

13- SEXTO SENTIDO ?

Um dos meus cinco primos estava muito doente. Nós nos dávamos super bem, afinal a distância entre o mais novo e o mais velho era de apenas 6 anos. Assim, crianças e adolescentes, fomos todos ao mesmo tempo, curtindo e passando pelas mesmas fases. Eram tardes e mais tardes de domingo, ou em dias de férias, brincando das mais variadas formas, e, algumas vezes, brigando também.
Este era um ano mais velho que eu. Aos quarenta e poucos anos, tinha câncer. Apesar de não ter uma ligação maior com ele do que com os outros, nossa convivência era mais fácil, alegre; e nosso relacionamento, mais leve e profundo.
Apesar de toda a luta (e como lutava pela vida!), a doença o venceu. Hospitalizado, morreu durante noite. Eu dormia em casa, a 100 km de distância do hospital. Acordei no meio da noite, absolutamente sem razão aparente; totalmente desperto, sentado na cama, olhei o relógio – madrugada - pensei no meu primo e deitei-me novamente. Bem cedo, meu tio me liga para avisar da sua morte durante a madrugada. Só consegui murmurar: “Eu sabia...”

quarta-feira, abril 12, 2006

12- MERGULHO

A caminho do trabalho, percorro a Rodovia Castelo Branco, de São Paulo a Tatuí. É cedo, por volta das 8 da manhã, e meu fusquinha não me permite andar a mais de 100 km/h. Na descida, um ônibus passa por mim, e mais adiante uma pequena elevação o esconde de mim. Chego ao alto da elevação poucos segundos depois do ônibus, e não o vejo na estrada que se descortina à minha frente... “Estranho! Não há nenhuma saída neste trecho, onde foi parar o ônibus?!” Chego à ponte sobre o rio Sorocaba e percebo que o caminhão que vem em sentido contrário buzina, gesticula e diminui a velocidade, como se fosse parar. Olho pela ponte. Lá, cerca de dez metros abaixo, está o ônibus, enterrado pela metade no rio. Paro no acostamento e corro pela encosta até a margem do rio. O ônibus está só com a parte dianteira para fora da água, e o motorista, machucado, mas vivo, está preso às ferragens, suplicando que o tirem dali. O caminhoneiro está ao meu lado e diz: “Eu tenho corda no caminhão. A gente pode ir até o ônibus, amarrados à corda e trazer quem estiver lá. Você sabe nadar?” Respondo afirmativamente e ele logo está de volta com a corda. Dois ou três outros motoristas já haviam se juntado a nós e combinado que um iria buscar socorro logo adiante, enquanto os outros nos ajudariam segurando a corda. Pulamos de cuecas nas águas barrentas do rio e chegamos até o motorista, que nessa hora já está com a água pela cintura. “Tem mais gente no ônibus?”, perguntamos. A negativa não nos convence, pois ele, desesperado, só quer que o tiremos dali o mais rápido possível. Resolvemos dar uma busca, e mergulhamos ônibus adentro, tateando pelos bancos imersos, rezando para não tocarmos em nada humano. A água barrenta impede a visão, e somente indo de banco em banco, apalpando cegamente é que podemos verificar. Convencidos que não há mais ninguém, amarramos a corda na cintura do motorista, soltamos as ferragens que o prendem, e o grupo, já de mais de uma dezena de pessoas, que se aglomera na margem, puxa-o. Nado de volta, pego minhas roupas e me visto. O motorista já tinha sido carregado para um carro que disparou em direção a Tatuí. Ao chegar no meu carro, a policia rodoviária se aproxima. Digo ao policial que o motorista era a única pessoa a bordo, que já tinha sido levado e que aparentemente só tinha ferimentos, não muito graves, nas pernas. Afasto-me rapidamente para não ser envolvido pela burocracia e perder mais tempo. Retomo a viagem, atrasado, molhado, sujo de barro, tremendo de frio e de nervoso, mas sentindo-me leve, muito, muito feliz por ter tido a chance de ajudar alguém em situação tão grave.

segunda-feira, abril 10, 2006

11- QUANDO SOU CHEIRO...

Todos reunidos em círculo, no acampamento, para a oração do dia. Os escoteiros, entre 12 e 16 anos, impecavelmente vestidos com seus uniformes cáqui, divididos em quatro “patrulhas” de oito integrantes, com seus “monitores” a comandá-los com rígida disciplina.
Um acampamento escoteiro é o ápice dos preparativos e atividades que os escoteiros realizam semanalmente, aprendendo preciosas lições que não se ensinam nas escolas. É a oportunidade de colocar em prática tudo o que sabem, desde montagem de barracas, e preparação de comida aos divertidos e competitivos jogos escoteiros.
O chefe tira o chapéu e convida o grupo à oração. Todos acompanham o chefe, tirando seus chapéus e inclinando a cabeça. Começa a oração, e pouco depois, bem no meio dela, um dos escoteiros dá um gemido baixo, e exclama, entre baixinho e gritado: “Num guento mais!” Um sonoro “pum” ecoa pelo círculo, fazendo com que explodissem risos, contidos em alguns, soltos em outros, acabando irremediavelmente com a solenidade da ocasião.

sexta-feira, abril 07, 2006

10- MACHU PICHU

“Loucura! Não há argumento neste mundo que prove qualquer sentido em passar pelo que estamos passando!” Mesmo assim, caminhávamos... Passos lentos e curtos, ritmados, quase como em câmara lenta... O ar, apesar de inspirado com força, não fornecia o oxigênio necessário... A ladeira, estreita e sinuosa, mesmo pouco inclinada, parecia uma barreira vertical. Aos poucos, muito pouco, os picos nevados aproximavam-se e descortinava-se uma vista espetacular. Caminhar de 2.800 m de altitude até 4.200 parecia algo inatingível. Caminhar, por horas a fio, parando por breves instantes para beber água e respirar profundamente, era o que fazíamos há dois dias... E ainda faltava tanto!
Por incrível que pareça, a pessoa responsável por todo este sofrimento não estava conosco. Um mal estar da filha poupou-a de nos acompanhar nesta caminhada de 4 dias pela “Trilha Inca”, entre Cuzco e Machu Pichu, Peru. Assim, não podíamos xingá-la, só nos restava ir adiante. Era julho de 2003, Elaine e eu, 2 casais e a filha de um destes fazíamos uma viagem mágica pelos Andes bolivianos e peruanos. A caminhada era o clímax.
À noite, no acampamento, dormíamos em barracas, dentro de sacos de dormir bem quentes, depois de uma boa refeição, e, mesmo sabendo que o dia seguinte nos esperava martírio igual, a sensação era muito boa. Além da deslumbrante paisagem, a caminhada, em si, trazia a emoção da aventura, do perigo, da descoberta, do conhecer-se melhor.
No dia em que atingimos o ápice de 4.200 m de altitude, depois de 5 horas de caminhada, sabíamos que havíamos ultrapassado o que pensávamos ser nosso próprio limite físico e mental. Bráulio, nosso companheiro de caminhada, estava extenuado. Faltando pouco mais de 30 m de trilha, a 2 m de atingir o cume, Rita, sua mulher, desaba e diz que não dá mais um passo. Depois de descansar um pouco e receber o incentivo de quem já estava no alto, eles retomam o passo. Ao alcançar o pico, nos abraçamos, e Bráulio chega à beira da longa ladeira e grita, berra com todo fôlego que sobrou um enorme palavrão. No local, além de nós, há vários pequenos grupos de caminhantes, de várias nacionalidades. Todos caem na risada, sabendo, não o significado, mas o que ele realmente queria dizer.

quarta-feira, abril 05, 2006

9- FERA FERIDA

Moleque, gostava de passar férias na casa dos avós, em Santos. Lá, possuía um lugar exclusivo no quintal da casa, onde o tronco de uma goiabeira se curvava e eu podia sentar-me como se estivesse num banco, acima dos telhados, os pés balançando, o chão a 5, talvez 7 metros abaixo. De lá podia fazer muitas observações curiosas e interessantes, pelo menos para mim, um garoto de 8 anos de idade. Uma delas foi perceber que os gatos (havia muitos) da vizinhança gostavam de passar pela calçada do quintal aparentemente desapercebidos da minha presença. Com intenção de assustá-los para que não mais viessem ali, pois minha avó reclamava do cheiro de urina e fezes deles, preparei uma armadilha. Assim que um deles passou em direção ao fundo do quintal, desci silenciosamente da árvore e fui atrás dele com um cabo de vassoura. Ao ser surpreendido, o gato se apavorou e partiu correndo em direção ao muro, calculou mal o pulo e levou um tombo, caindo de volta no quintal a poucos passos de mim. Parei, surpreso, pois para mim a perseguição acabaria com o gato sumindo pelo muro do vizinho. Enquanto eu imaginava o que fazer (cutucar com o pau, dar uma paulada, cercar a saída... hummm...), o gato simplesmente pulou na minha direção, disposto a me enfrentar com unhas e garras; me encolhi e o bicho passou feito foguete, “voando” pelo quintal e desapareceu pelo muro do lado. “Uau!!! Esse gato não volta mais aqui... espero!!!” É melhor não encurralar ninguém, nem mesmo um bichano, ele vira fera!

domingo, abril 02, 2006

8- RODOPIO

Voltávamos do Rio de Janeiro, meu primo e eu, depois de uma semana de passeio no verão. Meu pai havia emprestado o carro (um WV-TL com dez anos de uso) que estava em bom estado e a estrada, a Via Dutra, permitia uma boa velocidade cruzeiro (naqueles tempos, algo em torno de 80 a 90 km/h!!!).
De repente, chuva. Uma chuva de verão, forte e rápida, que deixou alguns pontos empoçados na estrada. Ao passar por um deles, senti o carro aquaplanar e ao retomar o contato com o asfalto, o carro quis sair do rumo. Ciente do perigo, não pisei no freio e tentei manter o carro na rota, sem sucesso. Meu primo, ao perceber o que estava ocorrendo, segurou o volante tentando me ajudar e gritou, vendo que o carro girava: “Hang on there!” - assim, em inglês mesmo – até hoje ele não sabe porquê, e giramos pelo canteiro central, atravessamos a pista contrária e paramos, miraculosamente incólumes, no acostamento oposto. Saí, atordoado, do carro, enquanto uma enorme carreta passava por nós, buzinando, e fazendo sinais para saber se estávamos bem. Dei um “ok” sem graça e meu primo dava voltas no carro dizendo: “Não aconteceu nada, só sujou de barro e grama!” Um olhou pro outro, e sem uma palavra entramos no carro, mas agora, ele estava ao volante. Depois de duas ou três horas viajando, concluímos que o melhor seria eu voltar a dirigir ali mesmo, na Via Dutra, ou poderia ficar traumatizado e ter dificuldade para voltar a dirigir em estrada. Assim, quando chegamos em São Paulo, eu dirigia o velho fusca como se nada tivesse ocorrido, mas o “hang on there!” tornou-se código para boas gargalhadas.

sexta-feira, março 31, 2006

7- MASCOTE

Um sagüi. Aos cinco anos ganhei um sagüi!!! A minha alegria e entusiasmo só podiam se comparar ao orgulho de ter tal animal. Ele veio de Salvador, no bolso do paletó do terno de meu pai, dentro do avião. Sorte do meu pai que o bichinho tenha ficado mareado com a viagem; ficou quietinho... e as aeromoças nem desconfiaram!
Quando eu estava em casa, o macaquinho ficava comigo, nos ombros, sobre a cabeça, muito atento, manso e divertido. O brinquedo ideal para uma criança como eu, que pouco saía do pequeno apartamento onde morava, em São Paulo. Afinal, não havia televisão, videogame, computadores nem brinquedos eletrônicos.
Um dia o pequeno sagüi conseguiu escapar pela porta da sala, desceu as escadas e saiu do prédio para a rua, onde foi atacado e morto por um cachorro. Minha tristeza foi indescritível! A única coisa a fazer foi providenciar um enterro singelo no terreno baldio que havia no fim da rua. Muitos anos depois me dei conta que, sem querer, havia contribuído para a ameaça de extinção desses indefesos bichinhos. Mas, talvez sua vida tenha servido ao propósito de criar em mim este amor pelos animais que hoje se revela no fato de minha filha ser veterinária de animais silvestres...

quinta-feira, março 30, 2006

6- GLUTÃO

Abro parentesis nas minhas reminicências para contar, a pedido da prima, duas historinhas do nosso primo, das quais não fui testemunha, mas aconteceram, sim.
Um primo era tido na adolescência como glutão, apesar de não ser obeso (hoje é). Seu irmão mais novo aniversariava e a tia deu-lhe de presente comer na Pizzaiolo da rua Pamplona. Ele foi junto.
Pediram a primeira pizza grande, comeram ávidos e responderam com um animado "sim!" à pergunta se queriam mais. Acabada a segunda pizza grande, o aniversariante já satisfeito, responde "sim!" à pergunta, sem muito entusiasmo, mais para acompanhar o irmão (que balançava feliz a cabeça afirmativamente) do que por apetite (afinal o aniversário era dele, seu irmão não iria comer mais do que ele!).
Começam a comer a terceira pizza. Lá pela segunda fatia pra cada um, o aniversariante empurra o prato com um misto de horror, repulsa e arrepio e diz: "argh, não aguento mais!!!" ao que seu irmão, mais do que depressa responde: "ô, então passa pra mim que eu como..."

A segunda historinha passa-se numa festa do grupo escoteiro do qual eu e dois de seus irmãos fazíamos parte. Na festa, confraternizavam-se os familiares dos escoteiros e meu primo foi com a tia. No meio dos comes e bebes, a festa animada, meu primo vem até a tia e diz, muito contrariado: "Jô, quero ir embora". Como a festa estava boa e tinham chegado há pouco, ela perguntou o porquê. "É que eu não aguento mais comer." Minha tia argumentou que ele parasse de comer então. Simples. Ao que ele retrucou: "ah, mais eles (os garçons) vem assim com a bandeja na sua frente oferecendo ó, eu não resisto e como!"
Sobre ele há muitas outras histórias, que dariam pra escrever um livro hilariante. Ficam para uma próxima.