“Loucura! Não há argumento neste mundo que prove qualquer sentido em passar pelo que estamos passando!” Mesmo assim, caminhávamos... Passos lentos e curtos, ritmados, quase como em câmara lenta... O ar, apesar de inspirado com força, não fornecia o oxigênio necessário... A ladeira, estreita e sinuosa, mesmo pouco inclinada, parecia uma barreira vertical. Aos poucos, muito pouco, os picos nevados aproximavam-se e descortinava-se uma vista espetacular. Caminhar de 2.800 m de altitude até 4.200 parecia algo inatingível. Caminhar, por horas a fio, parando por breves instantes para beber água e respirar profundamente, era o que fazíamos há dois dias... E ainda faltava tanto!
Por incrível que pareça, a pessoa responsável por todo este sofrimento não estava conosco. Um mal estar da filha poupou-a de nos acompanhar nesta caminhada de 4 dias pela “Trilha Inca”, entre Cuzco e Machu Pichu, Peru. Assim, não podíamos xingá-la, só nos restava ir adiante. Era julho de 2003, Elaine e eu, 2 casais e a filha de um destes fazíamos uma viagem mágica pelos Andes bolivianos e peruanos. A caminhada era o clímax.
À noite, no acampamento, dormíamos em barracas, dentro de sacos de dormir bem quentes, depois de uma boa refeição, e, mesmo sabendo que o dia seguinte nos esperava martírio igual, a sensação era muito boa. Além da deslumbrante paisagem, a caminhada, em si, trazia a emoção da aventura, do perigo, da descoberta, do conhecer-se melhor.
No dia em que atingimos o ápice de 4.200 m de altitude, depois de 5 horas de caminhada, sabíamos que havíamos ultrapassado o que pensávamos ser nosso próprio limite físico e mental. Bráulio, nosso companheiro de caminhada, estava extenuado. Faltando pouco mais de 30 m de trilha, a 2 m de atingir o cume, Rita, sua mulher, desaba e diz que não dá mais um passo. Depois de descansar um pouco e receber o incentivo de quem já estava no alto, eles retomam o passo. Ao alcançar o pico, nos abraçamos, e Bráulio chega à beira da longa ladeira e grita, berra com todo fôlego que sobrou um enorme palavrão. No local, além de nós, há vários pequenos grupos de caminhantes, de várias nacionalidades. Todos caem na risada, sabendo, não o significado, mas o que ele realmente queria dizer.