quarta-feira, abril 12, 2006

12- MERGULHO

A caminho do trabalho, percorro a Rodovia Castelo Branco, de São Paulo a Tatuí. É cedo, por volta das 8 da manhã, e meu fusquinha não me permite andar a mais de 100 km/h. Na descida, um ônibus passa por mim, e mais adiante uma pequena elevação o esconde de mim. Chego ao alto da elevação poucos segundos depois do ônibus, e não o vejo na estrada que se descortina à minha frente... “Estranho! Não há nenhuma saída neste trecho, onde foi parar o ônibus?!” Chego à ponte sobre o rio Sorocaba e percebo que o caminhão que vem em sentido contrário buzina, gesticula e diminui a velocidade, como se fosse parar. Olho pela ponte. Lá, cerca de dez metros abaixo, está o ônibus, enterrado pela metade no rio. Paro no acostamento e corro pela encosta até a margem do rio. O ônibus está só com a parte dianteira para fora da água, e o motorista, machucado, mas vivo, está preso às ferragens, suplicando que o tirem dali. O caminhoneiro está ao meu lado e diz: “Eu tenho corda no caminhão. A gente pode ir até o ônibus, amarrados à corda e trazer quem estiver lá. Você sabe nadar?” Respondo afirmativamente e ele logo está de volta com a corda. Dois ou três outros motoristas já haviam se juntado a nós e combinado que um iria buscar socorro logo adiante, enquanto os outros nos ajudariam segurando a corda. Pulamos de cuecas nas águas barrentas do rio e chegamos até o motorista, que nessa hora já está com a água pela cintura. “Tem mais gente no ônibus?”, perguntamos. A negativa não nos convence, pois ele, desesperado, só quer que o tiremos dali o mais rápido possível. Resolvemos dar uma busca, e mergulhamos ônibus adentro, tateando pelos bancos imersos, rezando para não tocarmos em nada humano. A água barrenta impede a visão, e somente indo de banco em banco, apalpando cegamente é que podemos verificar. Convencidos que não há mais ninguém, amarramos a corda na cintura do motorista, soltamos as ferragens que o prendem, e o grupo, já de mais de uma dezena de pessoas, que se aglomera na margem, puxa-o. Nado de volta, pego minhas roupas e me visto. O motorista já tinha sido carregado para um carro que disparou em direção a Tatuí. Ao chegar no meu carro, a policia rodoviária se aproxima. Digo ao policial que o motorista era a única pessoa a bordo, que já tinha sido levado e que aparentemente só tinha ferimentos, não muito graves, nas pernas. Afasto-me rapidamente para não ser envolvido pela burocracia e perder mais tempo. Retomo a viagem, atrasado, molhado, sujo de barro, tremendo de frio e de nervoso, mas sentindo-me leve, muito, muito feliz por ter tido a chance de ajudar alguém em situação tão grave.

2 comentários:

Lou H. Mello disse...

Feliz por ajudar alguém em situação difícil. Me fez pensar nas nossas motivações mais profundas, aquelas capazes de nos alegrar sem cobrar, sem pedir nada em troca. Tendo a alegria como recompensa. Se fosse sempre assim...

Anônimo disse...

Você teve um momento de deus, coisa que é ao mesmo tempo belíssima e terrível. Não temos constituição emocional ou espiritual para salvar os outros, embora aparentemente Deus o requeira incessantemente de nós. Quando nos acontece de nos despirmos e *dispormos* a isso, como você fez, o milagre já é tremendo. Quando acontece de sermos bem-sucedidos, os próprios anjos calam-se e beijam em silêncio os pés de Deus.